Os novos usos das leveduras

Pesquisa Lesaffre

Os novos usos das leveduras

A levedura é um ser vivo unicelular, da família dos fungos, não visível a olho nu, e que vive há milhões de anos no nosso planeta, sendo preciso um microscópio para poder observá-la. A levedura pertence ao vasto universo dos micro-organismos, juntamente com as bactérias, protozoários, algas, fungos, etc. A ciência que estuda os seres vivos microscópicos é a microbiologia e abarca tanto o conhecimento da respetiva biologia, estrutura, metabolismo e genética, como a ecologia, isto é, as relações com o ambiente que os rodeia.

leveduras novos usos micro-organismos A vida na Terra não seria possível sem os micro-organismos. As primeiras formas de vida no nosso planeta foram microscópicas. As alterações físicas após a formação da Terra, os efeitos que essas formas de vida microbiana provocaram no meio e a evolução desses seres vivos, tornaram possível que o nosso planeta se alterasse até alcançar a incrível diversidade biológica que o caracteriza hoje em dia.

Alguns dos efeitos produzidos pelos micro-organismos já eram conhecidos dos nossos antepassados antes mesmo de conhecerem a sua existência, nomeadamente os processos de fermentação graças aos quais se obtêm alimentos como o vinho, o pão, a cerveja, os iogurtes, o vinagre, etc. E muitas doenças eram frequentemente associadas a forças sobrenaturais ou divinas. Os efeitos dos micro-organismos foram também a origem da teoria da “geração espontânea”.

Sintetizada por Aristóteles e defendida durante séculos por filósofos, políticos, religiosos e cientistas como Descartes e Newton, assegurava que certas formas de vida surgiam de maneira espontânea a partir de determinadas matérias. Por desconhecimento, ninguém questionou a teoria durante muito tempo, exceto poucos indivíduos, entre os quais se destaca o ilustre italiano Francesco Redi no século XVII.

leveduras novos usos MicroorganismosApesar do descobrimento do microscópio a finais do século XVI e da descrição dos micro-organismos realizada no século XVII pelo holandês Anton van Leeuwenhoek, foi só após a publicação dos trabalhos do francês Louis Pasteur, no século XIX, considerado o pai da microbiologia, que se lançou alguma luz sobre a existência dos micro-organismos e dos seus efeitos.

Os micro-organismos influenciam decisivamente as nossas vidas embora muitos de nós não sejamos conscientes. À medida que os conhecimentos em microbiologia avançam, aumentam os benefícios que os seres microscópicos podem conferir à nossa qualidade de vida. Dada a diversidade de micro-organismos existentes e a magnitude dos avanços científicos, as possibilidades são inúmeras e cada vez se tornarão mais evidentes.

Os usos tradicionais das leveduras

Dentro do vasto universo dos micro-organismos, as leveduras desempenham há séculos um papel fundamental e muito benéfico nas relações com os seres humanos.

As leveduras são responsáveis pelos processos de fermentação alcoólica a partir de açúcares e, na ausência de oxigénio, as leveduras geram álcool, dióxido de carbono e aromas.

Este processo bioquímico é imprescindível para a produção de alimentos consumidos diariamente por milhões de pessoas no nosso planeta: o vinho, o pão e a cerveja.

Tem-se conhecimento do uso de leveduras por parte dos egípcios no fabrico de pão e cerveja, há mais de 5000 anos.

Por outro lado, foram encontrados restos de vinho em recipientes que datam do neolítico. A produção de vinho, pão e cerveja foi, é e será um dos usos dos micro-organismos que mais benefícios acarretou para a qualidade de vida dos seres humanos.

Há já muito tempo que na indústria alimentar e na restauração são utilizados os extratos de levedura, usados como fontes de aroma e sabor em molhos e pratos preparados.

leveduras novos usos CroissantsHoje em dia, continua-se a investigar o uso de variedades de leveduras mais eficientes e adaptadas aos novos métodos de produção dos alimentos. No caso do pão, cabe destacar o uso de leveduras adaptadas especialmente à produção de pães congelados e pães de forma, à produção de bolos e pastéis, à produção de pães artesanais mais aromáticos, etc.

Merecem igualmente destaque as linhas de investigação encaminhadas ao uso de novas leveduras que incrementem a biodisponibilidade de vitaminas e minerais presentes no pão, o que permitirá um melhor aproveitamento deste alimento básico. No caso do vinho, cabe mencionar as linhas de investigação dedicadas a selecionar leveduras que confiram aromas específicos das distintas zonas de produção da uva, a fim de potenciar o caráter local da bebida.

As leveduras como probióticos

leveduras novos usos pro-bióticoDe há uns anos a esta parte, é conhecido o papel da levedura como alimento probiótico, tanto em seres humanos como em animais. Uma vez ingeridas e já dentro do sistema digestivo do animal, as leveduras desenvolvem uma ação altamente salutar: favorecem o equilíbrio da flora intestinal, favorecem a sensação de bem-estar, potenciam o sistema imunológico, melhoram o estado fisiológico e o trato do sistema digestivo, etc. Relacionado com o equilíbrio da flora intestinal, é destacável o papel das leveduras não só ao favorecerem o crescimento de bactérias benéficas para o organismo, mas também ao impedir o acesso de patogénicos a certos tecidos, o efeito barreira, e a inativação de certas toxinas geradas por micróbios indesejáveis.

Relativamente à potenciação do sistema imunológico e à melhoria do estado fisiológico e do trato digestivo, os investigadores estão a avançar na descodificação do “diálogo” e das relações bioquímicas que se estabelecem entre as leveduras, a flora intestinal e o próprio sistema digestivo do animal. Estas relações e “diálogos” têm implicações em certas doenças e os avanços neste campo são uma autêntica revolução tecnológica.

Há anos que o efeito probiótico das leveduras é especialmente benéfico na produção pecuária. Incluir leveduras na dieta de vacas leiteiras ajuda a melhorar significativamente o bem-estar dos animais e a qualidade e quantidade de leite produzido. O uso de leveduras na dieta de leitões e frangos potencia o respetivo crescimento e a saúde, reduz o custo de produção e evita o uso de antibióticos que podem provocar resistências posteriores em seres humanos.

Por último, é digno de menção o uso de leveduras como aditivo em alimentos para cães e gatos, já que o seu uso favorece o processo digestivo, incrementa o aproveitamento dos alimentos e reduz as diarreias. Também incrementa a vitalidade dos animais de estimação e a sua resistência a doenças.

As leveduras em nutrição e saúde

leveduras novos usos Nutrição e saúdeHá séculos que as leveduras fazem parte da dieta dos seres humanos e dos animais. A sua composição nutricional é excecional. Tanto as leveduras em si, como partes das suas células ou das moléculas por elas sintetizadas, constituem um grande interesse em saúde e nutrição dos seres humanos, animais, plantas e inclusive outros micro-organismos.

Cada vez se revestem de mais importância as descobertas relacionadas com o uso de leveduras na fertilização e proteção de cultivos. Estes avanços permitem reduzir o uso de fertilizantes e fitossanitários de síntese química em agricultura. O uso de leveduras para controlar diversas doenças dos cultivos é já hoje em dia uma realidade. A utilização de leveduras para evitar o desenvolvimento de fungos nos frutos representa também uma alternativa importante aos tratamentos fungicidas tradicionais. Certas leveduras melhoram a capacidade das plantas no processo de absorção de nutrientes do solo, favorecem com isso o seu crescimento e permitem melhorar os rendimentos agrícolas.

O uso de leveduras em nutrição humana, bem como suplemento dietético ou como alimento funcional, é largamente consociado. Os nutricionistas asseguram que o alto conteúdo em proteínas, enzimas, minerais como o zinco, o crómio, o selénio… e vitaminas dos grupos B e D tornam os suplementos dietéticos de levedura especialmente atrativos em dietas vegetarianas ou situações de carência de algum desses nutrientes. Também indicam que o consumo de leveduras é interessante para assegurar uma boa saúde do cabelo, unhas e pele.

Por outro lado, o consumo de leveduras enriquecidas em determinados nutrientes, como o selénio, incrementa a biodisponibilidade deste mineral cuja presença na dieta de humanos ou animais apresenta inúmeros benefícios para o sistema imunológico, tecido muscular, coração, manutenção das membranas celulares, como antioxidante, etc.

O uso de leveduras em cosmética

Os produtos cosméticos que incluem extratos de células de levedura são altamente apreciados. Favorecem processos biológicos que afetam a saúde da nossa pele como a síntese de colagénio ou a hidratação e oxigenação da pele. Daí que sejam especialmente indicados para formulações em cremas antirrugas e antienvelhecimento. Cabe destacar também o seu valor em produtos destinados a reparar a pele após a exposição solar, devido ao benefício extra que pressupõem nos processos celulares de hidratação, diminuição da inflamação, regeneração e cicatrização da pele.

O uso de leveduras na produção de bioetanol

leveduras novos usos BioetanolA produção de álcoois, para consumo humano, uso industrial, farmácia, etc., tem sido um dos usos tradicionais das leveduras de há séculos a esta parte. Mais recentemente, as leveduras passaram a ser parte essencial no processo de obtenção de bioetanol para utilizá-lo como combustível.

O bioetanol adicionado aos combustíveis derivados do petróleo reduz significativamente as emissões de CO2 e, logo, o efeito contaminante. Atualmente, o bioetanol produz-se a partir de cereais, melaços e outros açúcares submetidos a um processo de fermentação alcoólica.

O uso dos cereais e melaços como fonte de energia reduz o seu uso em alimentação, o que em situações de carência ou carestia destes alimentos é largamente criticado.

Para evitar esta situação, uma nova tecnologia permite a utilização de leveduras especiais na produção de bioetanol a partir de açúcares derivados da degradação enzimática da celulose, é o denominado bioetanol de segunda geração que permitirá alargar a utilização de um recurso abundante e renovável como a biomassa na produção de energia.

A levedura como fábrica de moléculas orgânicas, a “biotecnologia branca”

Ao longo dos anos, as leveduras têm vindo a ser utilizadas em diferentes projetos de investigação. A levedura foi o primeiro organismo cuja sequência genética foi descodificada; esta experiência foi decisiva na descodificação do genoma humano, cuja conclusão em 2003 significou uma autêntica revolução no campo da medicina.

Ainda se desconhece o papel de mais de 25% dos genes da levedura. Mecanismos bioquímicos relacionados com a organização do seu genoma, a interação destes organismos com o meio e os mecanismos de evolução, a síntese in vitro dos seus genes, fazem parte dos projetos de investigação em funcionamento, entre outros.

Também as leveduras desempenharam e desempenham um papel importante na investigação sobre a origem da vida na Terra, a investigação sobre doenças como o Alzheimer e as enxaquecas, a investigação sobre novos fármacos, etc.

Das paredes das células de levedura extraem-se uns polissacáridos denominados beta-glucanos cuja presença na dieta reforça o nosso sistema imunológico, conforme opinam os especialistas. Alguns especialistas referem que os suplementos dietéticos com determinados beta-glucanos, podem ajudar a resolver, entre outros, problemas de alergias, asma, colesterol elevado, doença de Crohn, diabetes, etc., sendo especialmente valorizados em alguns países asiáticos.

Outra substância especialmente importante que, na atualidade, se extrai com intuito comercial das células de levedura é a S-adenosilmetionina. Utilizada como suplemento nutricional parece poder melhorar processos de depressão, doença de Alzheimer, osteoporose e certas maleitas hepáticas.

 

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A resistência da levedura a ambientes extremos, assim como o conhecimento no cultivo e manipulação adquirido durante anos, tornam-na sumamente atrativa como “fábrica” de moléculas celulares. Desta forma, numerosos projetos de engenharia genética têm tido nas leveduras um aliado insubstituível desde os primórdios desta disciplina científica.

Cabe destacar a produção em células de levedura, entre outros, de moléculas de hidrocortisona ou de moléculas de insulina; este último processo tem vindo a facilitar a vida a milhões de doentes de diabetes. No interior destas sofisticadas e eficientes “fábricas” naturais podem-se metabolizar substâncias simples presentes no meio exterior como açúcares, lípidos, aminoácidos, minerais e a partir delas sintetizar moléculas complexas que permitam melhorar a nossa qualidade de vida, tudo isso de uma forma eficiente e ecológica a partir de matérias-primas renováveis.

É a chamada “biotecnologia branca”, aproveitar os micro-organismos para a produção massiva de substâncias bioquímicas com aplicações em nutrição, saúde, química, energia ou na produção de novos materiais.

O uso das leveduras ultrapassará o uso habitual como alimento de seres humanos e outros seres vivos, costumeiro há mais de 5000 anos; as leveduras utilizar-se-ão também a partir de agora como eficientes “fábricas celulares”, concebidas de acordo com a antiga, precisa e ainda hoje sobejamente desconhecida tecnologia bioquímica que deu origem à vida.



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