08 Mai Os novos usos das leveduras
A levedura é um ser vivo unicelular, da família dos fungos, não visível a olho nu, e que vive há milhões de anos no nosso planeta, sendo preciso um microscópio para poder observá-la. A levedura pertence ao vasto universo dos micro-organismos, juntamente com as bactérias, protozoários, algas, fungos, etc. A ciência que estuda os seres vivos microscópicos é a microbiologia e abarca tanto o conhecimento da respetiva biologia, estrutura, metabolismo e genética, como a ecologia, isto é, as relações com o ambiente que os rodeia.
A vida na Terra não seria possível sem os micro-organismos. As primeiras formas de vida no nosso planeta foram microscópicas. As alterações físicas após a formação da Terra, os efeitos que essas formas de vida microbiana provocaram no meio e a evolução desses seres vivos, tornaram possível que o nosso planeta se alterasse até alcançar a incrível diversidade biológica que o caracteriza hoje em dia.
Alguns dos efeitos produzidos pelos micro-organismos já eram conhecidos dos nossos antepassados antes mesmo de conhecerem a sua existência, nomeadamente os processos de fermentação graças aos quais se obtêm alimentos como o vinho, o pão, a cerveja, os iogurtes, o vinagre, etc. E muitas doenças eram frequentemente associadas a forças sobrenaturais ou divinas. Os efeitos dos micro-organismos foram também a origem da teoria da “geração espontânea”.
Sintetizada por Aristóteles e defendida durante séculos por filósofos, políticos, religiosos e cientistas como Descartes e Newton, assegurava que certas formas de vida surgiam de maneira espontânea a partir de determinadas matérias. Por desconhecimento, ninguém questionou a teoria durante muito tempo, exceto poucos indivíduos, entre os quais se destaca o ilustre italiano Francesco Redi no século XVII.
Apesar do descobrimento do microscópio a finais do século XVI e da descrição dos micro-organismos realizada no século XVII pelo holandês Anton van Leeuwenhoek, foi só após a publicação dos trabalhos do francês Louis Pasteur, no século XIX, considerado o pai da microbiologia, que se lançou alguma luz sobre a existência dos micro-organismos e dos seus efeitos.
Os micro-organismos influenciam decisivamente as nossas vidas embora muitos de nós não sejamos conscientes. À medida que os conhecimentos em microbiologia avançam, aumentam os benefícios que os seres microscópicos podem conferir à nossa qualidade de vida. Dada a diversidade de micro-organismos existentes e a magnitude dos avanços científicos, as possibilidades são inúmeras e cada vez se tornarão mais evidentes.
Os usos tradicionais das leveduras
Dentro do vasto universo dos micro-organismos, as leveduras desempenham há séculos um papel fundamental e muito benéfico nas relações com os seres humanos.
As leveduras são responsáveis pelos processos de fermentação alcoólica a partir de açúcares e, na ausência de oxigénio, as leveduras geram álcool, dióxido de carbono e aromas.
Este processo bioquímico é imprescindível para a produção de alimentos consumidos diariamente por milhões de pessoas no nosso planeta: o vinho, o pão e a cerveja.
Tem-se conhecimento do uso de leveduras por parte dos egípcios no fabrico de pão e cerveja, há mais de 5000 anos.
Por outro lado, foram encontrados restos de vinho em recipientes que datam do neolítico. A produção de vinho, pão e cerveja foi, é e será um dos usos dos micro-organismos que mais benefícios acarretou para a qualidade de vida dos seres humanos.
Há já muito tempo que na indústria alimentar e na restauração são utilizados os extratos de levedura, usados como fontes de aroma e sabor em molhos e pratos preparados.
Hoje em dia, continua-se a investigar o uso de variedades de leveduras mais eficientes e adaptadas aos novos métodos de produção dos alimentos. No caso do pão, cabe destacar o uso de leveduras adaptadas especialmente à produção de pães congelados e pães de forma, à produção de bolos e pastéis, à produção de pães artesanais mais aromáticos, etc.
Merecem igualmente destaque as linhas de investigação encaminhadas ao uso de novas leveduras que incrementem a biodisponibilidade de vitaminas e minerais presentes no pão, o que permitirá um melhor aproveitamento deste alimento básico. No caso do vinho, cabe mencionar as linhas de investigação dedicadas a selecionar leveduras que confiram aromas específicos das distintas zonas de produção da uva, a fim de potenciar o caráter local da bebida.
As leveduras como probióticos
De há uns anos a esta parte, é conhecido o papel da levedura como alimento probiótico, tanto em seres humanos como em animais. Uma vez ingeridas e já dentro do sistema digestivo do animal, as leveduras desenvolvem uma ação altamente salutar: favorecem o equilíbrio da flora intestinal, favorecem a sensação de bem-estar, potenciam o sistema imunológico, melhoram o estado fisiológico e o trato do sistema digestivo, etc. Relacionado com o equilíbrio da flora intestinal, é destacável o papel das leveduras não só ao favorecerem o crescimento de bactérias benéficas para o organismo, mas também ao impedir o acesso de patogénicos a certos tecidos, o efeito barreira, e a inativação de certas toxinas geradas por micróbios indesejáveis.
Relativamente à potenciação do sistema imunológico e à melhoria do estado fisiológico e do trato digestivo, os investigadores estão a avançar na descodificação do “diálogo” e das relações bioquímicas que se estabelecem entre as leveduras, a flora intestinal e o próprio sistema digestivo do animal. Estas relações e “diálogos” têm implicações em certas doenças e os avanços neste campo são uma autêntica revolução tecnológica.
Há anos que o efeito probiótico das leveduras é especialmente benéfico na produção pecuária. Incluir leveduras na dieta de vacas leiteiras ajuda a melhorar significativamente o bem-estar dos animais e a qualidade e quantidade de leite produzido. O uso de leveduras na dieta de leitões e frangos potencia o respetivo crescimento e a saúde, reduz o custo de produção e evita o uso de antibióticos que podem provocar resistências posteriores em seres humanos.
Por último, é digno de menção o uso de leveduras como aditivo em alimentos para cães e gatos, já que o seu uso favorece o processo digestivo, incrementa o aproveitamento dos alimentos e reduz as diarreias. Também incrementa a vitalidade dos animais de estimação e a sua resistência a doenças.
As leveduras em nutrição e saúde
Há séculos que as leveduras fazem parte da dieta dos seres humanos e dos animais. A sua composição nutricional é excecional. Tanto as leveduras em si, como partes das suas células ou das moléculas por elas sintetizadas, constituem um grande interesse em saúde e nutrição dos seres humanos, animais, plantas e inclusive outros micro-organismos.
Cada vez se revestem de mais importância as descobertas relacionadas com o uso de leveduras na fertilização e proteção de cultivos. Estes avanços permitem reduzir o uso de fertilizantes e fitossanitários de síntese química em agricultura. O uso de leveduras para controlar diversas doenças dos cultivos é já hoje em dia uma realidade. A utilização de leveduras para evitar o desenvolvimento de fungos nos frutos representa também uma alternativa importante aos tratamentos fungicidas tradicionais. Certas leveduras melhoram a capacidade das plantas no processo de absorção de nutrientes do solo, favorecem com isso o seu crescimento e permitem melhorar os rendimentos agrícolas.
O uso de leveduras em nutrição humana, bem como suplemento dietético ou como alimento funcional, é largamente consociado. Os nutricionistas asseguram que o alto conteúdo em proteínas, enzimas, minerais como o zinco, o crómio, o selénio… e vitaminas dos grupos B e D tornam os suplementos dietéticos de levedura especialmente atrativos em dietas vegetarianas ou situações de carência de algum desses nutrientes. Também indicam que o consumo de leveduras é interessante para assegurar uma boa saúde do cabelo, unhas e pele.
Por outro lado, o consumo de leveduras enriquecidas em determinados nutrientes, como o selénio, incrementa a biodisponibilidade deste mineral cuja presença na dieta de humanos ou animais apresenta inúmeros benefícios para o sistema imunológico, tecido muscular, coração, manutenção das membranas celulares, como antioxidante, etc.
O uso de leveduras em cosmética
Os produtos cosméticos que incluem extratos de células de levedura são altamente apreciados. Favorecem processos biológicos que afetam a saúde da nossa pele como a síntese de colagénio ou a hidratação e oxigenação da pele. Daí que sejam especialmente indicados para formulações em cremas antirrugas e antienvelhecimento. Cabe destacar também o seu valor em produtos destinados a reparar a pele após a exposição solar, devido ao benefício extra que pressupõem nos processos celulares de hidratação, diminuição da inflamação, regeneração e cicatrização da pele.
O uso de leveduras na produção de bioetanol
A produção de álcoois, para consumo humano, uso industrial, farmácia, etc., tem sido um dos usos tradicionais das leveduras de há séculos a esta parte. Mais recentemente, as leveduras passaram a ser parte essencial no processo de obtenção de bioetanol para utilizá-lo como combustível.
O bioetanol adicionado aos combustíveis derivados do petróleo reduz significativamente as emissões de CO2 e, logo, o efeito contaminante. Atualmente, o bioetanol produz-se a partir de cereais, melaços e outros açúcares submetidos a um processo de fermentação alcoólica.
O uso dos cereais e melaços como fonte de energia reduz o seu uso em alimentação, o que em situações de carência ou carestia destes alimentos é largamente criticado.
Para evitar esta situação, uma nova tecnologia permite a utilização de leveduras especiais na produção de bioetanol a partir de açúcares derivados da degradação enzimática da celulose, é o denominado bioetanol de segunda geração que permitirá alargar a utilização de um recurso abundante e renovável como a biomassa na produção de energia.
A levedura como fábrica de moléculas orgânicas, a “biotecnologia branca”
Ao longo dos anos, as leveduras têm vindo a ser utilizadas em diferentes projetos de investigação. A levedura foi o primeiro organismo cuja sequência genética foi descodificada; esta experiência foi decisiva na descodificação do genoma humano, cuja conclusão em 2003 significou uma autêntica revolução no campo da medicina.
Ainda se desconhece o papel de mais de 25% dos genes da levedura. Mecanismos bioquímicos relacionados com a organização do seu genoma, a interação destes organismos com o meio e os mecanismos de evolução, a síntese in vitro dos seus genes, fazem parte dos projetos de investigação em funcionamento, entre outros.
Também as leveduras desempenharam e desempenham um papel importante na investigação sobre a origem da vida na Terra, a investigação sobre doenças como o Alzheimer e as enxaquecas, a investigação sobre novos fármacos, etc.
A resistência da levedura a ambientes extremos, assim como o conhecimento no cultivo e manipulação adquirido durante anos, tornam-na sumamente atrativa como “fábrica” de moléculas celulares. Desta forma, numerosos projetos de engenharia genética têm tido nas leveduras um aliado insubstituível desde os primórdios desta disciplina científica.
Cabe destacar a produção em células de levedura, entre outros, de moléculas de hidrocortisona ou de moléculas de insulina; este último processo tem vindo a facilitar a vida a milhões de doentes de diabetes. No interior destas sofisticadas e eficientes “fábricas” naturais podem-se metabolizar substâncias simples presentes no meio exterior como açúcares, lípidos, aminoácidos, minerais e a partir delas sintetizar moléculas complexas que permitam melhorar a nossa qualidade de vida, tudo isso de uma forma eficiente e ecológica a partir de matérias-primas renováveis.
É a chamada “biotecnologia branca”, aproveitar os micro-organismos para a produção massiva de substâncias bioquímicas com aplicações em nutrição, saúde, química, energia ou na produção de novos materiais.
O uso das leveduras ultrapassará o uso habitual como alimento de seres humanos e outros seres vivos, costumeiro há mais de 5000 anos; as leveduras utilizar-se-ão também a partir de agora como eficientes “fábricas celulares”, concebidas de acordo com a antiga, precisa e ainda hoje sobejamente desconhecida tecnologia bioquímica que deu origem à vida.